O tenista Gustavo Kuerten, o Guga, explodiu para o mundo e se tornou uma estrela do esporte brasileiro em 1997, muito antes da superexposição das redes sociais. Nem por isso deixou de ter que encarar os holofotes: “O atleta se sente quase acima de tudo e todos”. Ele atribui a capacidade de discernimento naquele momento à sua equipe e motivação no esporte.
Quando foi campeão de Roland Garros pela primeira vez, Guga entrou no torneio como 66º no ranking em um raro feito na história do esporte. “Para ser campeão com essa precocidade — eu tinha ali 20 anos e nunca tinha feito nem semifinal de torneios bem menores do que o Roland Garros — tudo foi um aprender. Mais do que correndo, voando, a cada partida”, conta em entrevista ao InfoMoney Entrevista.
“De repente, eu virei de um tenista ordinário para um jogador top 15. Depois, a qualquer momento, todo mundo queria saber o que eu estava fazendo, o que comia, como jantava, onde dormia”, conta. “E isso precisou de bastante conversa e uma decisão: ‘qual o rumo que nós vamos tomar?’. Para continuar evoluindo, entender que aquilo era um primeiro passo.”
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Agora, aos 49 anos e ostentando o título de tricampeão de Roland Garros, torneio francês de tênis, Guga lembra de ter sido o primeiro tenista a ter uma assessoria de imprensa individual no circuito.
O atleta atribui em grande medida à sua equipe as decisões que preservaram sua imagem até o status de estrela do tênis e figura quase unânime na opinião pública brasileira. Horas após seu primeiro título em Roland Garros, a equipe composta também por Larri Passos, seu treinador, e Rafael Kuerten, seu irmão, e o agente Jorge Salkeld já se reuniria para decidir os próximos passos.
Guga fala sobre sua carreira, gestão de imagem e legado ao InfoMoney Entrevista. Confira a entrevista editada abaixo.
InfoMoney – Em 1997 você entrou na chave do Roland Garros com a 66ª posição do ranking. É um feito raro no tênis. Você lembra como foi lidar com esse desempenho explosivo?
Gustavo Kuerten – O mais inusitado ali foi o título, porque participar nessa posição já é uma aquisição do tênis. Quando entra no circuito mundial, consegue disputar o Grand Slam. Mas para ser campeão com essa precocidade — eu tinha ali 20 anos e nunca tinha feito nem semifinal de torneios bem menores do que o Roland Garros — tudo foi um aprender mais do que correndo, voando a cada partida.
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As situações eram bem delicadas, dá pra lembrar pelo menos umas três: o quinto set com o [Thomas] Muster; depois ganhar o jogo do Medvedev, que foram dois dias de partidas e também 4×4 no quinto set, eu tive 0-40 no game. Parecia que o meu nível de experiência era muito mais avançado do que de fato eu adquiria, mas naquela semana tudo fluiu muito bem — a inspiração comandou.
E culminando na partida mais difícil de todas, que foi as quartas de final com o Yevgeny Kafelnikov [tenista russo, ex-número 1 do mundo]. Ele estava ganhando dois sets a um, era o franco favorito para ganhar aquele ano, cinco pés nas costas, e o garoto de novo empolgado começou a soltar o braço. E também, claro, eu não tinha nada a perder — essa era a minha grande vantagem. Isso me ajudou, além de equilibrar a euforia, porque também seria um quesito importante, e o impacto de se destacar cada vez mais — oitavas, quartas de final, na quadra central, todo o floreio que é o Roland Garros. É fácil se despistar com tudo isso.
“Eu não tinha nada a perder — essa era a minha grande vantagem”
IM – O que esse momento te ensinou?
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GK – Por mais que fosse o maior resultado da minha carreira, eu sempre buscava o próximo jogo e me sentia capaz de vencer os melhores do mundo. Isso foi formidável, muito inusitado e ao ponto de também me ajudar a não conhecer tanto o Roland Garros.
Para mim era um torneio sensacional, o maior do mundo, porém os detalhes, o impacto, o tamanho — eu fui aprendendo ao longo dos anos. Tanto é que eu só fui ganhar três anos depois, quando eu entendi tudo o que significava, e isso traz um desafio ainda maior. Levou um certo tempo para novamente me preparar e voltar a vencer, no ano 2000.
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IM – Aquele título deixou uma lição para a vida pessoal também?
GK – O tênis em si traz diversas facetas e aprendizados. Cada dia tem algo para levar para a sua vida, para o trabalho. A quantidade de soluções para problemas que tem que gerar em tempo real é muito próxima do que a gente vive no dia a dia.
E claro, quando se fala de um torneio como o Roland Garros, os desafios e as tarefas são imensos. Tudo isso serve muito, mas o principal foi a tomada de decisão. O que fazer depois de um prêmio e uma surpresa gigante — talvez a maior do mundo que pudesse acontecer na nossa vida.
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De repente, eu virei de um tenista ordinário para um jogador top 15. Depois, a qualquer momento, todo mundo queria saber o que eu estava fazendo, o que comia, como jantava, onde dormia. E isso precisou de bastante conversa e uma decisão: “qual o rumo que nós vamos tomar?”. Para continuar evoluindo, entender que aquilo era um primeiro passo.
E isso foi 24 horas depois. Nós sentamos todos juntos — meu irmão Rafa, o Larri e o Jorge, que na época trabalhava como agente. Falei: “Vocês conversem, decidam o que for importante. Larry, continua me guiando para alcançar esse sonho, e vamos atrás disso.”
Na rotina também houve um impacto muito grande. Em vez de voltar ao Brasil para comemora — o país todo ficou em festa —, continuamos na Europa, onde estava a nossa missão.

IM– Você relata um momento que é um chacoalhão do ponto de vista profissional, de exposição, em uma época em que os atletas ainda não eram tão superexpostos quanto hoje, com as redes sociais. Você consegue imaginar como seria passar por isso agora?
GK – Eu me apavoro e acredito que seria, para o meu perfil, algo bem delicado. Apesar de o tênis permitir e ter um ambiente muito preservado através da rotina dos jogadores e da disciplina. Na minha época, tive uma liberdade imensa, de outro planeta, comparada com os dias de hoje. Isso também ajudou a me preparar, por ter uma equipe muito boa.
Fui o primeiro [tenista] a ter um assessor de imprensa individual no circuito, com a Diana, quando era o número 60 do mundo. Essas decisões trouxeram reflexos e um impulso muito precoce para a minha carreira.
Muito [do que conquistei] é consequência desses momentos em que aparecem encruzilhadas. É preciso ter clareza e discernimento para entender qual é o seu principal desejo, motivação, e se cercar de pessoas boas — o que até hoje acontece comigo.
Sou eternamente grato e consigo reconhecer facilmente que isso facilitou demais. Eu tinha 20 anos, a chance de me perder pelo caminho e começar a ter devaneios era grande, ainda mais com a convicção e a sensação de poder que o jogador adquire.
IM – Pode explicar um pouco mais?
GK – O atleta se sente quase acima de tudo e de todos. Mesmo naquela época, vira uma figura que movia o país inteiro. As pessoas paravam para assistir, tomavam café, almoçavam, e a gente estava lá na casa delas como se fosse da família.
Isso entrou na minha vida de uma forma natural. Recebi muita orientação para entender como fazer e quais os limites para que eu mantivesse meu espaço. Eu precisava também do garoto, do Guga de Floripa, caminhando numa boa. Viver lá me ajudou.
O tempo era correspondente à minha cabeça, à minha forma de pensar. Hoje, fazem dez coisas ao mesmo tempo. Eu não sou capaz disso. Então, tudo é correspondente — até o impacto financeiro que um atleta tem hoje, a capacidade de mobilização e de chegar até as pessoas de forma muito direta. Isso move todos instantaneamente, mas o nível de privacidade e de espaço para a vida pessoal sempre é um contraponto.
Mas volto a dizer: o tênis já tem um equilíbrio e um balanço bastante generoso com o atleta. Preserva o atleta e até mesmo o guia, aponta para um lado que é prolífico — de cuidar da carreira, ter dedicação e disciplina com seus atos e sua forma de agir, preservando e idolatrando também essa imagem que o tênis proporciona, que é algo formidável.
IM – O legado que você deixou para o esporte é claro. Que legado você quer deixar agora como Guga pós-carreira esportiva? Qual o legado dessa sua fase?
GK – Não tenho a perspectiva de uma meta ou missão nesse sentido. Tenho essa oportunidade, que é de fato um grande benefício, de poder escolher onde vou me envolver, de que forma e o que fazer.
Obviamente, a parte familiar hoje é superimportante para mim. Tenho dois filhos, de 12 e 13 anos, e com a minha esposa vivo essa que é a maior e mais linda experiência do mundo. Aproveito cada momento com a minha mãe, que está conosco ainda, com o Rafa, meu irmão, e a família de maneira geral.
Profissionalmente, posso escolher tarefas que são, ao mesmo tempo, desafiadoras, mas a palavra certa seria inspiradoras — como, por exemplo, estar relacionado à Senior Sistems [a entrevista ocorreu em um evento da empresa], uma empresa catarinense que hoje conquista o Brasil inteiro. Tem pretensão de entregar ainda mais, e a filosofia que a gente vive faz todo sentido.
IM – Você também tem feito algumas palestras. É uma possibilidade de carreira?
GK – Bate um nervosismo danado, até evito em algumas situações, mas sei que quando estou ali em cima [do palco] é importante para quem está ouvindo. Tento ser o mais natural possível.
Foi isso que me levou a ganhar aquele torneio em que iniciamos a entrevista — aquele Roland Garros de 1997 — solto, brincando, às vezes até com decisões muito complexas, mas entendendo que, até certo ponto, existe essa análise: fui bem, fui mal, o nível de importância do meu jogo… Mas, comparado ao tamanho da vida, do que a gente deve ainda valorizar mais, isso fica em segundo plano.
A vida tem um papel mais imponente, e esse é o que norteia as minhas atividades. É assim que eu gosto de decidir: por estar feliz, animado, empolgado com as ações em que participo. E, ao mesmo tempo, um pouco nervoso — aquele friozinho, a mão gelada — que faz parte também da magia de tentar se superar, de se colocar em uma situação inusitada e, caso dê errado, ter leveza e um sorriso para quebrar a tensão.
Fonte: Infomoney.com