Enquanto muitos a conhecem como campeã olímpica, Rafaela Silva vem construindo um legado ainda maior fora do tatame: o de transformar a vida de crianças em situação de vulnerabilidade social. Criada na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, a atleta sabe exatamente o que é crescer em um ambiente onde as oportunidades são escassas, mas a violência e o preconceito são constantes. Agora, aos 33 anos, Rafaela quer que sua história sirva de ponte para que outras meninas e meninos negros encontrem, no esporte, o caminho para uma vida diferente.
Em uma conversa no podcast Zona Segura, da MAG Seguros, Rafaela revisitou não apenas os episódios que marcaram sua carreira, como o ouro olímpico de 2016, no Rio de Janeiro, e a eliminação traumática em Londres-2012, mas também compartilhou um desejo profundo: criar um projeto social para crianças da periferia.
A iniciativa nasce de um lugar muito pessoal, de quem um dia foi “a menina que queria jogar futebol, mas não tinha espaço”, e encontrou no judô a chance de escapar de um destino muitas vezes traçado pela exclusão.
Continua depois da publicidade
Leia também: Quero investir no futuro educacional dos meus filhos: por onde começar?
Esporte como ferramenta de inclusão
A infância de Rafaela foi marcada por precariedade e estigmas. Por muito tempo, foi vista como “o patinho feio” — aquela criança que nenhuma mãe queria ver o filho andando junto. Mas foi numa associação de moradores da comunidade que ela teve o primeiro contato com o esporte, e foi ali, ainda pequena, que conheceu o judô e, com ele, uma possibilidade inédita de igualdade.
“O que me encantou foi ver que todo mundo treinava junto. Não importava se você tinha dinheiro, kimono, se era menino ou menina”, lembra Rafaela, ao comentar como aquele ambiente a fez sentir-se pertencente — algo raro na vida de muitas crianças negras da periferia.
Continua depois da publicidade
A inclusão, para ela, não é discurso. É vivência. E é justamente essa experiência que ela quer devolver.
Projetos sociais em um país desigual
Em um país onde crianças negras representam a maioria das vítimas da pobreza extrema, da evasão escolar e da violência, projetos sociais voltados à infância são mais do que necessários — são urgentes. A trajetória de Rafaela é um exemplo vivo de como o esporte pode romper ciclos de exclusão, fortalecer a autoestima e abrir portas que antes pareciam trancadas.
Continua depois da publicidade
Mas também é uma história que mostra como o sucesso não apaga os desafios. Após sua eliminação nas Olimpíadas de 2012, Rafaela foi alvo de ataques racistas brutais: “Me chamaram de macaca. Disseram que meu lugar era na jaula, não numa Olimpíada”, contou. O episódio a jogou em uma espiral de dor e depressão. Só encontrou forças para voltar ao tatame graças a uma rede de apoio e acompanhamento psicológico — algo ainda inacessível para boa parte da população brasileira.
Por isso, hoje, ela levanta a bandeira da saúde mental com a mesma intensidade com que luta no tatame. Quer que as futuras gerações não só tenham onde treinar, mas também com quem conversar, onde se fortalecer e como planejar um futuro.
Continua depois da publicidade
De atleta a agente de transformação
Rafaela já entendeu que seus feitos podem ir além do pódio, chegando à sala de aula de uma futura ONG, no sorriso de uma criança que encontra no esporte um espaço de afeto, ou no abraço de uma mãe que vê o filho ganhar novas perspectivas.
Depois de anos dedicados às competições, Rafaela passou a estudar Psicologia — curso hoje trancado, mas que segue no seu horizonte. Quer compreender mais profundamente a mente humana e usar esse conhecimento para melhorar a vida daqueles que, como ela, começaram a vida enfrentando mais obstáculos do que incentivos.
A atleta também aprendeu, na dor, a importância do planejamento financeiro — e quer incluir isso como pilar de sua futura iniciativa social. “Cresci sem poder comprar um chinelo. Quando comecei a ganhar dinheiro, quis ter tudo que nunca tive. Mas não estava preparada para parar [com o judô]. Isso me fez repensar tudo”, contou.
Se o Brasil ainda não garante equidade para suas crianças, histórias como a de Rafaela mostram que é possível virar o jogo. E que o caminho passa por iniciativas locais, inspiradas por quem conhece de perto as dores da exclusão.
“Meu maior sonho agora é devolver o que o esporte me deu”, concluiu.
Fonte: Infomoney.com